Bactérias em formato de estrelas, triângulos e pentágonos evidenciam a capacidade de adaptação da maquinaria de divisão celular bacteriana

O que melancias e bactérias tem em comum?

Assim como a fruta, bactérias podem se moldar em formas inusitadas, comprova estudo publicado na Nature Communications. O artigo, escrito por pesquisadores do Instituto de Okinawa da Universidade de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia (OIST), mostra que o formato de bactérias pode ser alterado à formas que não são encontradas na natureza, mostrando como esses microrganismos são adaptáveis.

O estudo é centrado na proteína FtsZ, uma importante proteína reguladora do processo de divisão celular bacteriano. Ao início do processo de divisão, a FtsZ age como um apoio estrutural para que outras proteínas envolvidas no processo possam se unir e tomar forma. Durante o processo, milhares de moléculas da FtsZ se juntam no meio da célula e formam diversos complexos em um formato semelhante a um círculo, conhecido como Z-ring (Anel Z).

Em bactérias Escherichia coli, os Z-ring são produzidos no local da divisão celular. Mas o Dr. Bill Söderström, da Unidade de Biologia Celular Estrutural se perguntou se isso aconteceria de modo igual em todas circunstâncias: “Esse anel se forma ao longo da circunferência no meio da célula, mas eu queria saber o quão importante é o formato da célula nesse processo de formação do anel. Se a célula não tivesse formato de bastonete, o anel continuaria a ser circular?”

A princípio, o Dr. Söderström se questionou se poderia fazer de um círculo um quadrado. Inspirado pelo crescimento de melancias em formato de caixas, o primeiro passo foi verificar se bactérias do formato de bastonetes conseguiriam crescer em formas de cubos. A tecnologia já existia: estudos anteriores no mesmo instituto haviam utilizado um “molde” que foi usado para fazer com que as células de bactérias crescessem “de pé”, semelhante a ovos em uma caixa.




Parte superior: Visão de microscopia dos "micromoldes" para o cultivo de bactérias
Parte inferior: Microscopia de fluorescência de alta resolução de bactérias com Z-rings moldados em outros formatos



Esses moldes foram construídos pelo Dr. Alexander Badrutdinov, no Laboratório de Microfabricação do OIST, e o Dr. Söderström o questionou se o design poderia ser modificado para um quadrado. Algumas alterações estruturais depois, e a equipe já estava cultivando bactérias no formato de caixinhas. Eles adicionaram substâncias que baixam o nível de integridade estrutura das células, sem matá-las, o que facilita com que elas cresçam em moldes distintos.

Assim como as melancias, as bactérias se adaptaram ao formato de caixa – e os aneis-Z eram agora “quadrados”-Z. A partir daí novas possibilidades surgiram. Em que outros formatos estas bactérias poderiam ser cultivadas? Novos materiais nanofabricados foram construídos. Corações, triângulos, pentágonos, cruzes, meias-luas e até moldes de estrelas foram construídos, e as bactérias postas para cultivo em suas novas casas. Em todos os diferentes formatos, a bactéria conseguiu crescer, e seus anéis-Z foram moldados para aquele formato.

“Depois de tantas tentativas, fizemos várias por diversão” ri Dr. Söderström, “ainda assim, há muita ciência fundamentada no experimento”.

A simplicidade é enganosa. As observações de Dr. Söderström nos mostram algo da biologia básica que é fundamental para que se compreenda como estas estruturas celulares são formadas. O estudo demonstra que estas células conseguem lidar com condições físicas de crescimento bem restritivas, e moldam seus aneis para que ocorra a divisão celular. É ciência básica, mas que pode ser expandida e ter ramificações importantes em pesquisas futuras.

Diversos antibióticos tem como alvo funções celulares intimamente relacionadas à formação do complexo proteico sustentado pela FtsZ. Em se tratando de inovar no desenvolvimento de antibióticos, deve-se buscar outros pontos do desenvolvimento bacteriano como alvo, já que ficou comprovada a resiliência na formação do Z-ring. “Nosso estudo mostrou como o Z-ring é altamente robusto – a geometria não é um obstáculo para a formação do anel” afirma Dr. Söderström.

Enquanto os formatos das bactérias cultivadas pelo grupo possam ser surpreendentes, não é surpresa alguma ver o quão adaptável é a forma de vida microbiana – e em tempos de resistência a antibióticos, é um bom lembrete para os desafios que cientistas encaram para combater essa resiliência.

Falaí Biotec



Referências:

Bill Söderström, Alexander Badrutdinov, Helena Chan, Ulf Skoglund. Cell shape-independent FtsZ dynamics in synthetically remodeled bacterial cells. Nature Communications, 2018; 9 (1) DOI: 10.1038/s41467-018-06887-7

Acesso em: 21/10/2018

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